Em uma cidade onde a população enfrenta ônibus superlotados, constantes quebras de veículos e um transporte coletivo que mal atende quem depende dele diariamente, a Câmara Municipal de Manaus encontrou tempo para debater o Projeto de Lei nº 189/2025, de autoria do vereador Kennedy Marques (MDB). O texto propõe autorizar o transporte de animais domésticos nos ônibus da capital.
É claro que ninguém aqui é contra o bem-estar animal. Ter um cão ou um gato é motivo de afeto para muitas famílias. Mas quando se olha o cenário real das ruas de Manaus – com paradas de ônibus sem abrigo, assaltos dentro do transporte coletivo, motoristas sobrecarregados e um sistema que já não comporta a demanda da população – fica difícil entender onde exatamente estão as prioridades.
Kennedy Marques argumenta que o projeto tem foco social e visa atender famílias de baixa renda que não têm carro e precisam levar seus pets para atendimento veterinário, banho ou tosa. Uma preocupação legítima, mas que soa deslocada diante de problemas muito mais urgentes. Enquanto os vereadores discutem caixas de transporte e limite de peso para animais nos coletivos, os usuários humanos continuam espremidos, em pé, horas a fio, enfrentando o calor e a insegurança.
Fica a reflexão: quando a Câmara Municipal vai dar a mesma atenção às pautas que realmente impactam a vida de quem pega dois ou três ônibus por dia para trabalhar? É bonito falar de inclusão dos animais, mas mais bonito ainda seria garantir o básico para os cidadãos que já são passageiros de um sistema que beira o colapso.
*Sid Sheldowt é escritor, poeta e compositor
